O livro que todo mundo para de ler antes do final, mas ninguém esquece

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O livro que todo mundo para de ler antes do final.

Entre os milhares de livros publicados todos os anos, poucos têm o poder de marcar profundamente o leitor. E menos ainda têm a reputação de serem largados antes do fim. Um desses casos é Ardil 22, do autor americano Joseph Heller. Publicado em 1961, o romance é reconhecido como uma das obras mais desafiadoras da literatura contemporânea. Não pela sua complexidade técnica, mas pela maneira como confronta o leitor com um espelho incômodo da realidade.

A fama de “livro mais abandonado” não veio por acaso. Diversas listas de redes sociais e fóruns literários, como Goodreads e Reddit, colocam Ardil 22 entre os títulos que mais leitores iniciam, mas não concluem. O motivo vai além da quantidade de páginas, são cerca de 560, e se concentra principalmente no estilo narrativo fragmentado, nas repetições, e na lógica quase ilógica que estrutura a obra. Para quem espera uma leitura linear, com começo, meio e fim bem definidos, o livro pode ser frustrante. No entanto, essa frustração faz parte do projeto do autor.

A história do livro que quase todo mundo para de ler antes de terminar

O livro que todo mundo para de ler antes do final.
O livro que todo mundo para de ler antes do final.

A história acompanha o capitão Yossarian, um piloto de bombardeiro durante a Segunda Guerra Mundial. O ambiente é a fictícia ilha de Pianosa, na Itália, e o enredo gira em torno de uma cláusula militar absurda chamada justamente de Ardil 22.

Segundo essa cláusula, qualquer soldado que se declare insano para escapar das missões está, na verdade, são o suficiente para continuar voando, já que o medo da guerra demonstra lucidez. Ou seja, uma armadilha lógica em que não há saída.

O livro é carregado de ironia, humor ácido e crítica social. Heller retrata a guerra não como um cenário de heroísmo, mas como uma engrenagem sem sentido, onde a vida humana é banalizada e a lógica se desfaz. A estrutura narrativa é confusa de propósito: os eventos não seguem uma ordem cronológica, os personagens parecem girar em círculos, e a repetição de ideias cria uma sensação de labirinto. Esse estilo exige esforço e paciência, afastando quem procura uma leitura mais leve ou imediata.

Apesar disso, quem persiste encontra um livro que não suaviza a realidade. Ardil 22 não oferece finais felizes, redenção ou mensagens edificantes. Ele mostra um mundo governado por sistemas irracionais, sejam militares, políticos ou sociais, e a tentativa desesperada de um homem comum de resistir a essa loucura. No final, Yossarian não é um herói clássico. Sua recusa em continuar voando não é um ato épico, mas um último gesto de sanidade. É um “não” diante de um mundo que transformou a obediência em virtude absoluta.

A resistência que o livro impõe ao leitor não é gratuita. Ela espelha a dificuldade de viver em um mundo que, muitas vezes, não faz sentido. Ao forçar o leitor a desacelerar, a se perder e a questionar a própria leitura, Heller propõe uma reflexão profunda sobre o absurdo da guerra e das instituições humanas. E talvez seja por isso que, mesmo abandonado por tantos, o livro permanece como um marco para os que chegam ao fim.

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Outros livros também difíceis de terminar de ler

Esse fenômeno, de livros que mais afastam do que atraem, não é exclusivo de Ardil 22. Outras obras dividem o mesmo destino. Um exemplo clássico é Ulisses, de James Joyce. A linguagem experimental, os fluxos de consciência e as inúmeras referências tornam o romance praticamente impenetrável para o leitor comum. Mesmo assim, é considerado uma das obras-primas do século XX. O mesmo ocorre com “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, cuja densidade psicológica e estilo introspectivo tornam a leitura exigente e demorada. E há também “O Som e a Fúria”, de William Faulkner, conhecido pela narrativa desestruturada e por exigir uma releitura quase obrigatória para ser compreendido.

Esses livros compartilham uma característica: eles não são feitos para entreter. São construídos para incomodar, provocar e obrigar o leitor a mudar o ritmo. Não oferecem recompensas fáceis, mas sim uma experiência intensa, que pode transformar a forma como se enxerga o mundo, ou simplesmente esgotar a paciência de quem só queria relaxar com uma boa história.

Ardil 22 levanta uma questão relevante: por que buscamos sentido em tudo, até na literatura, e por que nos frustramos quando esse sentido não aparece? O livro expõe a fragilidade da lógica humana diante de situações extremas e mostra como o riso e o desespero podem ser respostas igualmente válidas diante do absurdo.

Ler um livro como esse pode ser um exercício de autoconhecimento. Revela os limites da nossa atenção, da nossa disposição e da nossa tolerância à ambiguidade. Mostra que nem tudo precisa ser compreendido completamente para ter valor. E que há, sim, espaço na literatura, como na vida, para aquilo que escapa, que confunde e que nos obriga a pensar diferente.

No fim das contas, Ardil 22 permanece marcante e aqueles que o terminam raramente o esquecem, não por causa do que aprenderam, mas por causa do que sentiram. E, talvez, por aquilo que nem conseguiram explicar.

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Desde pequena, sempre fui movida por duas paixões: as palavras e o desejo de conhecer o mundo. Me formei em Letras porque escrever sempre foi minha forma favorita de me expressar. Hoje, no Mundo Igual, tenho a sorte de unir isso ao que mais amo: contar histórias sobre viagens, culturas, notícias, dicas e experiências que nos transformam. Gosto do que é simples e verdadeiro. Prefiro uma caminhada no meio do mato a horas em frente à tela. A natureza me acalma, me inspira, e é dela que muitas das minhas ideias nascem. Não sou muito fã de tecnologia, mas acredito que, quando bem usada, ela pode aproximar pessoas e abrir caminhos.Escrevo como quem conversa. Compartilho lugares, curiosidades e tradições com o coração aberto, sempre tentando mostrar que o mundo é feito de encontros, diferenças e aprendizados. E se, de alguma forma, meus textos tocarem alguém ou despertarem a vontade de explorar algo novo, então já valeu a pena.

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