Curitiba, conhecida nacionalmente pelo planejamento urbano organizado e pela qualidade de vida, guarda sob seu solo uma característica pouco discutida: a presença de uma complexa rede de falhas geológicas. Essas estruturas, embora invisíveis a olho nu, podem ter implicações significativas para a cidade e ajudam a revelar um lado menos conhecido da geografia urbana brasileira.
O subsolo da capital paranaense está assentado sobre a chamada Bacia Sedimentar de Curitiba, uma formação com cerca de 3 mil quilômetros quadrados. Essa bacia se formou há mais de 30 milhões de anos e é composta, em sua maior parte, por sedimentos da chamada Formação Guabirotuba. A origem dessa estrutura está ligada a falhas geológicas do tipo normal, orientadas principalmente no sentido nordeste-sudoeste.
Por que essas falhas geológicas chamam tanto a atenção?

O que chama a atenção dos especialistas é que essas falhas não são somente vestígios do passado geológico. Algumas delas foram reativadas por eventos tectônicos mais recentes e continuam a influenciar a estabilidade do solo na região. Um exemplo é a Falha do Rio Barigüi, que atravessa áreas densamente urbanizadas. Há também o Sistema de Falhas Cubatão-Lancinha, que se estende pelo território e é monitorado por pesquisadores.
Embora o Brasil esteja localizado no meio da Placa Sul-Americana, longe das bordas tectônicas mais ativas do planeta, isso não significa ausência de atividade sísmica. Ao contrário do que muitos pensam, o país registra tremores com certa regularidade, especialmente em regiões onde há falhas geológicas antigas que podem se reativar.
Leia mais: O dia em que o céu escureceu e a neve caiu vermelha nos EUA, veja o que aconteceu
Há riscos de terremoto em Curitiba?
Curitiba é uma das poucas capitais brasileiras com estudos detalhados sobre essas estruturas subterrâneas. Isso não quer dizer que seja a única com risco sísmico, mas sim que há um grau mais elevado de conhecimento científico sobre o que se passa debaixo da cidade. Em outras partes do Brasil, como o Nordeste, falhas como a de Samambaia, próxima a Natal (RN), também são monitoradas devido ao seu potencial sismológico.
A própria Curitiba já sentiu os efeitos desses movimentos. Um dos eventos mais expressivos foi um tremor de magnitude 4,5 na escala Richter, sentido na região metropolitana entre São José dos Pinhais e Mandirituba. Ainda que a intensidade tenha sido considerada moderada, o episódio acendeu o alerta para a importância do monitoramento e da prevenção.
Além dos tremores naturais, há registros de sismos induzidos pela atividade humana. Entre os anos 1971 e 1979, por exemplo, a Usina Hidrelétrica Capivari-Cachoeira foi responsável por eventos sísmicos localizados ao nordeste da cidade. Isso mostra que a ocupação do território e a exploração de recursos naturais também podem interferir na estabilidade do solo.
Segundo a norma ABNT NBR 15421:2006, Curitiba está classificada na Zona 1, com perigo sísmico considerado baixo a moderado. Mesmo assim, os especialistas alertam que esse risco não deve ser ignorado no planejamento urbano. Um dos principais desafios é que o Plano Diretor da cidade e o Código de Obras não fazem menções específicas à necessidade de considerar esse fator nas construções.
Isso levanta uma preocupação: como garantir a segurança de edificações em áreas onde o solo pode responder de maneira diferente durante um tremor? A resposta passa por estudos de microzonamento sísmico, que avaliam como diferentes tipos de terreno amplificam ou reduzem os efeitos de ondas sísmicas. Quanto mais detalhados forem esses levantamentos, melhor será o preparo da cidade para eventuais abalos.
No Brasil, o monitoramento de tremores é feito pela Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) e pelo Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, Curitiba carece de uma rede própria de estações sismográficas com boa distribuição geográfica, o que dificulta uma análise local precisa.
Leia mais: Misteriosas marcas em Marte intrigam os cientistas, veja o que são de verdade
Outras cidades brasileiras em situação semelhante
Outras cidades brasileiras também convivem com realidades semelhantes, mas com menos visibilidade. Capitais como Belo Horizonte, Recife e Fortaleza estão em regiões de bacias sedimentares ou próximas a sistemas de falhas. A diferença está no grau de aprofundamento dos estudos realizados. A situação de Curitiba ilustra a importância de conhecer melhor o solo urbano antes de expandir ou reformar a infraestrutura de uma cidade.
Do ponto de vista social, o tema se conecta com o cotidiano de milhares de pessoas. Entender os riscos naturais do território onde se vive é um direito do cidadão e uma responsabilidade do poder público. O desconhecimento pode levar à negligência em obras, à ocupação de áreas inadequadas e ao despreparo diante de situações emergenciais.
Embora a probabilidade de um grande terremoto em Curitiba seja considerada baixa, a presença das falhas geológicas deve ser levada a sério, principalmente em tempos de crescimento urbano acelerado. O desenvolvimento das cidades precisa caminhar junto com o conhecimento científico do território onde se constrói.
Por fim, o caso de Curitiba chama atenção para a necessidade de maior investimento em estudos geológicos em outras regiões urbanas brasileiras. Assim como nos temas ambientais, climáticos ou de saúde pública, a prevenção e a informação podem fazer toda a diferença — inclusive embaixo dos nossos pés.