Durante trabalhos de restauro nas Capelas do Sul, em Luxor, arqueólogos encontraram evidências de uma cidade até então desconhecida, com aproximadamente 3 mil anos de existência. A descoberta ocorreu de forma inesperada, em meio a ações de conservação que incluíam a limpeza e a documentação de relevos históricos. No lugar de apenas estruturas religiosas, os pesquisadores acabaram encontrando um conjunto urbano completo, com características militares, industriais e religiosas.
A cidade pertence ao período da 21ª Dinastia, uma fase de reorganização política no Antigo Egito, após o final do Novo Império. Um dos elementos centrais encontrados foi uma muralha feita de tijolos de barro, atribuída ao faraó Menkheperre. A estrutura, datada do século XI a.C., traz em seus tijolos selos com o nome do rei e de sua esposa, indicando que a obra tinha não apenas função protetiva, mas também simbólica.
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Indícios de importância estratégica
A muralha se estende por uma área considerável e seu tamanho sugere que o local abrigava um centro urbano de grande valor para o governo egípcio. A estrutura poderia ter servido como barreira contra ataques externos, mas também para marcar presença política em uma região de interesse estratégico. Para os arqueólogos, o tamanho e a complexidade da construção indicam que o local abrigava funções administrativas, religiosas e até logísticas.
Além da muralha, os pesquisadores identificaram as bases de um portão monumental esculpido em arenito. Portões desse tipo eram característicos de cidades com alto grau de organização e importância política. Eles costumavam marcar entradas de templos, centros administrativos ou espaços públicos sagrados. A presença desse portão reforça a hipótese de que a cidade desempenhava papel central na região, funcionando como núcleo de comando, comércio e rituais.
Cerveja para abastecer rituais e tropas
Outro achado relevante foi uma grande estrutura que, segundo os especialistas, era uma fábrica de cerveja. O local continha vestígios que indicam produção em larga escala. No Antigo Egito, a cerveja não era apenas uma bebida popular: ela fazia parte da rotina alimentar, dos rituais religiosos e até do pagamento de trabalhadores.
De acordo com registros históricos e inscrições já encontradas em outros locais, a cerveja era amplamente utilizada em cerimônias dedicadas aos deuses, como o Heb Sed, um festival ligado à renovação do poder do faraó. A produção em massa nesse novo sítio pode ter atendido tanto as elites religiosas e militares quanto os trabalhadores envolvidos na manutenção da cidade.
Vestígios do cotidiano
Além das estruturas monumentais, os arqueólogos localizaram elementos que oferecem uma visão mais próxima da vida cotidiana da época. Inscrições ligadas ao culto do deus Amon foram identificadas em fragmentos, junto com cenas relacionadas ao Heb Sed. Em outra parte do sítio, foram encontrados pequenos caixões de madeira que, embora danificados, parecem ter sido destinados a crianças. A ausência de inscrições impede uma identificação precisa, mas o achado indica a existência de áreas residenciais ou de sepultamento local.
Também foram recolhidos fragmentos de ostraca, pedaços de calcário ou cerâmica usados como suportes para anotações informais. Um dos itens traz a inscrição “Supervisor da Casa de Khonsu”, o que sugere uma estrutura administrativa articulada e ativa no local. Esses registros permitem inferir que a cidade possuía hierarquia organizacional e seguia os modelos burocráticos típicos do Egito Antigo.
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O valor histórico da descoberta
A nova cidade foi encontrada em uma área próxima a Luxor, uma das regiões mais estudadas e exploradas do Egito. Ainda assim, ela permaneceu soterrada e desconhecida até os trabalhos recentes. Isso mostra que o potencial arqueológico do país ainda está longe de se esgotar.
Para os especialistas, encontrar uma cidade com muralha, portão e infraestrutura de produção ainda preservados é raro. A descoberta ajuda a preencher lacunas sobre o período da 21ª Dinastia, marcado por descentralização do poder e disputas internas. Até agora, muitas informações sobre essa fase do Egito dependiam de fontes limitadas e interpretações fragmentadas.
Com a nova cidade, os arqueólogos esperam entender melhor como funcionava a administração local, quais rituais eram praticados com maior frequência e de que forma se organizavam a produção e o abastecimento.
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Próximos passos e preservação
Apesar do anúncio, a escavação ainda está em fase inicial. Os pesquisadores pretendem ampliar a área de escavação, realizar estudos de laboratório em amostras de cerâmica e argamassa, e aprofundar a análise das inscrições encontradas.
Há também um projeto para transformar a área em parque arqueológico aberto à visitação. A iniciativa busca não apenas preservar o sítio, mas também ampliar o interesse pelo turismo cultural na região.
O achado reforça a importância de projetos de restauro e conservação, já que a cidade só foi descoberta graças ao trabalho detalhado realizado nas Capelas do Sul. O caso mostra como novas camadas da história egípcia continuam sendo reveladas por meio de investigações locais e, muitas vezes, fora dos grandes templos e pirâmides.
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A redescoberta dessa cidade milenar levanta questões relevantes sobre como grandes civilizações estruturaram seus espaços urbanos e suas formas de organização social. A cidade encontrada em Luxor é uma amostra de como o passado continua presente e como ele ainda tem muito a dizer sobre rituais, hábitos e modos de vida que, de alguma forma, seguem influenciando o presente.